Para conhecer qualquer café, seja o seu ou um café que você tenha comprado, devem ser feitas algumas torras de amostra para ver se esse café atende à sua demanda.
De forma bem simplificada, há três tipos de café: cafés principalmente florais, cafés frutados e cafés achocolatados, sendo que cada um deles necessita de uma torra diferente para brilhar.
Temperatura de desenvolvimento
Há uma temperatura necessária para cada tipo de café no momento da torra. Os cafés predominantemente florais são intolerantes a temperaturas altas na torra e isso torna o processo mais delicado. Eles se beneficiam de um desenvolvimento inferior durante a torra, resultando em uma solubilidade menor. Os cafés mais frutados se beneficiam de um desenvolvimento médio, com solubilidade média. Eles são mais tolerantes a temperaturas altas na torra e aparecem, mesmo com corpo bem presente. Um corpo muito presente chega até a “tapar a sua língua” para você não sentir tanto os compostos químicos mais leves.
O café achocolatado normalmente é mais simples. Eles necessitam de um desenvolvimento maior na fase de Maillard e, em alguns casos, de um desenvolvimento maior na fase final também. Existem ligas entre esses três, de tempo médio que se beneficiam dos dois lados. Somente é necessário lembrar que é necessário utilizar categorias vizinhas para conseguir fazer isso. Você não vai conseguir mostrar muita floralidade de um café torrado para ser predominantemente achocolatado com bastante corpo, por exemplo.
Limpeza e Umidade
Limpeza e uniformidade são fatores que ajudam muito também na hora de torrar. Quanto maior a uniformidade de densidade do grão verde, melhor ocorre a torra. É uma característica de todos os grãos aceitarem, ou tomarem, a temperatura do ambiente de forma similar. Quanto menos defeitos no grão verde, melhor a absorção de calor, seguindo o mesmo princípio. Também tem a uniformidade de umidade do grão verde, que facilita um desenvolvimento por igual entre os grãos. Então, um café sujo normalmente necessita de mais tempo de torra; e, quanto mais limpo, menos tempo é necessário para realizar o processo.
O Perfil Frutado:
Vamos olhar o que, possivelmente, é o perfil mais padrão no mundo, basicamente uma linha levemente curvada, uma parabólica bem leve.
Dá para notar uma temperatura final, aqui, de 211,5°C. Essa temperatura não é problemática, mesmo sendo alta, se você cumprir o seu dever direitinho.
No início, percebe-se uma temperatura inicial aqui em volta de 165°C, o que me possibilita saber que é uma torra de 1 kg de café em um torrador Atilla Gold Plus de 5 kg. É perceptível também um fundo de 68°C. Perceba que há a curva do grão e a curva da taxa de variação de temperatura (ROR). Ambos são muito importantes, sendo a curva do grão, principalmente, para uma visão geral do que acontece no café. No entanto, essa curva não te fala muita coisa, de maneira que é mais importante ficar atento à curva da taxa de variação de temperatura ou, em inglês, “rate of rise”, para uma boa noção sobre a quantidade de calor armazenado na massa em conjunto com o calor fornecido pelo sistema.
Então, olhando aqui, dá para ver uma taxa por volta de 20°C/min, que está descendo lentamente, controladamente até iniciar o primeiro crack. Depois de iniciar o primeiro crack, nota-se, aqui, que baixa de maneira bem controlada, até quase zerar no final. Isso é muito importante, porque temos quatro fases (Você pode dividir como quiser, mas esse jeito me ajuda muito, recomendo).
No início temos essa fase pré-Maillard, que pode ser chamada de vários nomes na literatura de hoje. Alguns chamam de seca, mas não se pode esquecer que o processo de seca continua até mesmo no resfriador. Temos depois a fase de Maillard, que é uma fase muito importante, onde preparamos os compostos químicos do café. Nós reorganizamos eles para fazer o perfil sensorial final do café. Então pode falar que aqui no Maillard estamos fazendo a nossa lista de compras para fazer o nosso bolo.
O crack está iniciando aqui com 194,6 °C (a temperatura do crack é interessante, porque quanto mais sujo o café essa temperatura vai para cima). O crack é um bom indicador se for um perfil bem executado, pois vai falar muito sobre o seu café.
O desenvolvimento dos compostos finais que fazem o sabor do café acontecer após a fase de Maillard, eu tenho dividido em dois. No início (1) dá para ver aqui a curva de ROR com taxa bem alta, deve estar com uns 13°C/min, descendo e passando pelo (2) de forma bem controlada sem nenhum pico, sem nenhuma barriga, um ângulo de mais ou menos 60° que significa que no início do crack (1) vamos produzir bastante compostos aromáticos e final (2) nós tentamos acabar com a menor porcentagem possível disso. Criamos o sabor e aroma do café (1) e no final (2) estamos tentando resgatar o máximo possível desse potencial junto com mais uma coisa, que é deixar o café quente suficiente para ganhar solubilidade. Mas não queremos perder as coisas boas feitas na fase (1) do desenvolvimento final. Então tem um Plus na fase (1) do desenvolvimento, queremos mais energia no início do estalo e queremos menos energia no final do estalo e essa curva de ROR então deve descer de maneira bem controlada para você conseguir fazer isso, fazendo isso você pode atingir temperaturas mais altas sem ter gosto queimado no seu café e também vai conseguir evitar de tirar cafés que fica um gosto meio cru, que é muito comum.
7 pontos a serem observados na torra:
1 – Escolher a temperatura certa de entrada.
Isso é muito importante por vários motivos. A sua máquina entre todas as torras do dia vai ter uma carga térmica diferente, essa carga térmica faz parte do fornecimento de energia para o seu café e obviamente um torrador que você acabou de ligar vai estar muito menos quente do que um torrador que tem horas trabalhando, então a temperatura de entrada é relacionada a carga térmica da sua máquina e a quantidade de café que você vai torrar (quanto maior a quantidade de café a temperatura inicial deve ser mais alta). Eu tenho torrado com torrador de 5 kg com temperatura inicial entre 105 até 240°C. Então você tem uma faixa bem ampla, porém se você torra perto da capacidade da máquina você sempre vai estar acima de 200°C. A temperatura de 105°C é mais uma brincadeira para conseguir controlar um café de 300, 400 gramas dentro de um tambor muito grande. A temperatura de entrada certa também é importante para o próximo ponto
2 – Ganhar a taxa de variação de temperatura certa depois do ponto de viragem.
No gráfico anterior dá para ver que estamos com um ponto de viragem marcado em 68°C em pouco mais de 1 minuto. Se você coloca 5kg na máquina, de repente esse ponto de viragem vai se mover para uns 2:30, 2:40 por exemplo. Para você fazer o menos possível de ajustes, porque é uma coisa que o café realmente gosta é ser tratado de maneira cuidadosa. Você precisa de uma temperatura de entrada certa junto com a carga térmica da máquina para você ganhar o ângulo de decolagem certo depois desse ponto de viragem. Se você consegue fazer isso, você vai simplificar muito a sua vida e você vai conseguir tratar o seu café com muito mais cuidado.
3 – Uma seca rápida quase sempre é benéfica.
Cafés com bastante densidade, cafés que tem bastante uniformidade de água, precisam de muita energia para se desenvolver bem, para ganhar a pressão interna suficiente chegando para o final da torra, para eles realmente expandirem bem e o centro do grão também aquecer direitinho. Sem essa expansão você vai ficar com o centro subdesenvolvido, meio cru, deixando o seu café com potencial de sabor e aroma muito abaixo do possível. Uma seca rápida é benéfica para cafés mais densos, mais limpos, porque necessitam de mais energia para conseguir se desenvolver bem.
Cafés que tem baixa densidade têm um outro problema, eles vazam muita umidade e como essa perda de umidade você pode ter problema de tipping (quando a ponta do café seca rápido e começa a torrar antes do restante do grão), finalizando esse 80% que não secou tão rápido a ponta muitas vezes sai queimado e dá um gosto bem ruim para o café. Então, mesmo sendo café mais denso ou menos denso, uma seca rápida pode ser bem benéfica e, para falar a verdade, o que você faz nessa fase de Pré-Maillard é importante, mas não tão importante assim. Então se você não faz nada muito além dos limites normais, você pode tratar o café quase como quiser nessa fase.
4 – Ajustar ROR depois do TP
Depois que você passa esse ponto de viragem, eu penso que seria bom manter um fornecimento de energia muito estável. Então, você vai ajustar a sua taxa de variação de temperatura geral da curva depois desse ponto de viragem. Se você faz o inicio da maneira certa escolhendo a temperatura certa e isso vai ser bem simples. Se não, você vai se ajustar com a próxima torra.
5 – Manter a estabilidade de fornecimento de energia
Chegando para o crack uma coisa importante é manter a estabilidade de fornecimento de energia. Você deve ter pelo menos uns 3 minutos com bastante estabilidade. Não precisa ser uma taxa de variação de temperatura fixa, estou falando de estabilidade, pode ser que ela está caindo lentamente, que isso é bom, pode ser que você vai mantendo ela estável, que pode gerar um pouquinho de problemas pensando que chegando para o crack nós precisamos ganhar tempo para o grão ter como se desenvolver por fora e por dentro de uma forma bem parecida e a energia com qual você chega no crack é importante por vários motivos.
Você precisa ter uma expansão boa para o centro do grão realmente se desenvolver, mas também por outro lado você precisa gerenciar essa energia para não perder controle da taxa de variação de temperatura, isso é muito importante. Quando você chega no estalo com energia a menos o seu café não desenvolve, ele fica sem sensorial muito cheiroso, muito gostoso, ele fica meio morto. Se você chega lá com muita energia, várias coisas podem acontecer, pode ter tanta energia que o café realmente queima bem rápido, você vai ter um estalo de 50 segundos, um minuto, que é difícil de administrar direitinho, e muitas vezes essa liberação de umidade que é resultado do estalo mesmo, a expansão dos grãos, a umidade que sai do café acaba de prejudicar o desenvolvimento do café esfriando o sistema. Esse resfriamento é tão forte que realmente para o desenvolvimento de sabores e aromas e assim que essa liberação de umidade se aproxima do fim o ambiente ficará super quente para um café que não tem uma muita umidade mais, que não está sendo protegido pela umidade que tinha e ele queima rapidinho. Por isso é muito fácil conseguir torrar um café que tem gosto cru e gosto queimado ao mesmo tempo.
6 – Gerenciar a energia absorvida e fornecida para entrar no estalo com a TVT que o café precisa
Observação direta da curva de temperatura e ROR
7 – Gerenciar a ROR durante o estalo dividindo em dois estágios.
No primeiro estágio você precisa bastante energia, no segundo estágio você precisa muito menos energia para não acabar com os compostos aromáticos já feitos.
Eystein Veflingstad da 3ª Onda Consultoria em Café