Algumas frentes tendem a atribuir uma qualidade menor ao café conilon, mas é preciso abrir a mente e entender de onde surgiu essa percepção.
Eu sei que você já ouviu falar mal do conilon, mas é parte da evolução do ser humano parar pra pensar… e se questionar de vez em quando, certo?
Dá pra acreditar, nos dias de hoje, que houve um tempo em que as mulheres eram consideradas “menos capazes” que os homens? E que ainda hoje, depois de tantos anos de luta e de tantas provas do contrário, que alguns segmentos da sociedade ainda não tenham reconhecido totalmente essa igualdade?
Pois esse é um jeito interessante de enxergar o papel do café conilon (coffea canéfora) no mercado de cafés especiais.
De onde vem a má fama do café conilon?
Primeiro, devemos entender como se construiu essa má fama. No momento da implantação dessa cultura no formato comercial, no início da década de 70, pouco ou nada se falava em qualidade de café, nem mesmo do café arábica. Vivíamos ainda a chamada “primeira onda” do café, onde o foco do negócio era somente a cafeína.
O mercado era ainda bastante reticente em relação a esta nova espécie, e com o crescimento da indústria de café instantâneo (solúvel), criou-se uma boa oportunidade de comercialização do conilon no período onde o café arábica se tornava mais caro e mais escasso no mercado… justamente às vésperas da safra, ou seja, nos meses de março e abril. Com base nessa dinâmica, estabeleceu-se o ciclo de produção e comercialização do café conilon, a partir do município de São Gabriel da Palha, no Espírito Santo.
Acontece que essa dinâmica acaba vinculando outros fatores ao ciclo, como financiamentos bancários, compra de insumos, e até mesmo fatores culturais. E mesmo depois do conilon se firmar como uma boa alternativa no mercado, sendo comercializado com enorme liquidez durante todo o ano, a dinâmica da colheita continuou, e os produtores acabam, quase sempre, colhendo um pouco antes da hora. Seja para pagar um financiamento, seja por medo de um ataque da broca do café, por medo da falta de mão de obra, ou simplesmente porque é um “costume”, e por isso, grande parte do conilon que circula no mercado é um café colhido com altíssimo percentual de verde.
É por isso que boa parte dos defeitos atribuídos comumente ao conilon (genericamente) são na verdade defeitos inerentes a café imaturo, ou defeitos referentes à secagem e armazenagem inadequadas. Isso nada tem a ver com a espécie.
Largando em desvantagem
Enquanto o conilon ainda lutava para se firmar no mercado, alguns países produtores de café arábica (notadamente a Colômbia) começaram a buscar formas de se diferenciar pela qualidade, e o conilon perdeu esse bonde por não conseguir dividir os esforços nessas duas frentes.
Nos anos 2000, vários produtores já tinham enxergado isso, e começaram a aparecer as iniciativas de agregar qualidade também na bebida do conilon, e então como não conseguiram embarcar naquele bonde, tiveram que inventar um “trem bala”, para correr atrás do tempo perdido.
Tem sido notório, especialmente nos últimos 5 anos, o grande avanço de qualidade alcançado pelos cafés da espécie canéfora, com destaque para o momento simbólico em que a BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais) admite os primeiros produtores canéfora (conilon / robusta) no seu quadro de membros, em 2018.
Atualmente, um grupo crescente de produtores tem se dedicado a buscar excelência da qualidade desses cafés, e já conquistaram reconhecimento por algumas das melhores torrefações e cafeterias do Brasil e do mundo.
Esses cafés são um portfólio novo para as torrefações, e podem ser usados para buscar outros públicos, ou mesmo para surpreender o público atual, com outros produtos, seja em blends ou como “single”.
É preciso se despir dos preconceitos, entender o panorama histórico da construção desses pré-conceitos – conceitos anteriores ou antigos – e estar ciente de que estamos em outra época, onde existem opções de qualidade nas duas espécies, que não são concorrentes, mas complementares. Como Homens e Mulheres!