Executar bem o processo de torra é fundamental para garantir a qualidade do café
Neste texto, o mestre de torra Gabriel Heineirci vai explicar as fases da torra do café.
A torra é um dos principais processos na produção do café, e tem grande impacto na qualidade final do produto. Aqui o processo de torra será divido em fases puramente por questões didáticas. É importante saber que não há um momento exato em que determinada reação acontece.
Fase 1 – Desidratação
Como o próprio nome sugere, na fase de desidratação o café perderá umidade (H20 virando vapor e deixando a semente) e absorverá o calor. Nessa fase acontecem as reações físicas e a perda suficiente de água para dar início às reações químicas. Apesar dessa etapa não influenciar no sabor, a inércia térmica vai influenciar a etapa seguinte (que tem influência de sabor). Ou seja, se a fizermos muito rápido poderemos perder o controle nas fases seguintes. E se fizermos muito devagar, poderemos ter dificuldade de aumentar a energia, se necessário, nas etapas seguintes.
Essa etapa é a ideal para acertarmos nossa torra, fazendo-a chegar na curva que buscamos. Começar as torras no mesmo padrão facilita muito a consistência e evita defeitos. Mais uma questão de consistência do que qualidade.
TURNING POINT (estabilização)
O turning point, também chamado de temperatura de fundo, é o ponto em que a temperatura no gráfico de torra chega ao menor valor e em seguida começa a subir. Devemos lembrar que nosso café entra frio e começa a esquentar o tempo todo. O que essa queda representa é a temperatura no termopar, que está num ambiente quente (antes da entrada do café) e que quando se libera o café para início da torra começará a entrar em contato com cafés frios.
Conforme a temperatura da massa de café vai se equilibrando com a da chapa do tambor e do ambiente a temperatura começará a subir. Esse ponto é importante por ser a primeira referência que temos do processo. Pelo comportamento do Turning point, já é possível perceber o quão consistente ou fora do padrão sua torra atual está em relação ao seu perfil de referência.
Fase 2 – Escurecimento não enzimático
Nessa fase, também chamada de Maillard e Caramelização, acontece o início das reações químicas. Teremos nessa segunda fase: início da construção de aromas e sabores, quebra dos açúcares, caramelização, decomposição de ácido cítrico, decomposição dos ACG´s, formação da complexidade e de corpo a bebida.
É uma etapa de escolhas do mestre de torra a fim de preparar material para caramelização ou mais reações de Maillard (o resultado é relativo ao potencial que o café tem a oferecer). Dividimos ainda mais essa etapa, para definir o ponto em que começamos a perder ácido cítrico e ter um controle maior na acidez.
Fase 3 – Finalização
Nessa fase há a finalização do café com predomínio de pirólise (produção de CO2, início dos sabores relacionados à carbonização). Porém, ainda é uma etapa necessária para terminar de desenvolver algumas substâncias, pois há a continuação das reações anteriores.
Como falamos no início, todas as etapas seguem até o final da torra, inclusive de desidratação.
O desenvolvimento do café depende de todas as suas etapas, não só de uma delas.
A etapa inicial, apesar de não produzir nada que altere sabor no café, é importante para um controle das fases seguintes.
Para definir essas etapas geralmente usamos nosso gráfico visual de temperatura x tempo.
Quanto mais dessas ferramentas reunidas conseguimos definir mais preciso será o controle da torra.
Acertar o equilíbrio é muito importante para o término de decomposição de diversos componentes desagradáveis, evitando sabores metálicos, de papel, herbal etc, de um café subdesenvolvido. Manter acidez, produzir complexos (floral, baunilha), modular amargor, corpo, acidez…
Nessa terceira etapa a balança é ainda mais agressiva, trabalhamos não só o tempo entre as reações, mas a temperatura final. A temperatura máxima que vamos atingir e o tempo tem grande influência nas reações que estamos tendo.
É importante compensar nossas escolhas, como por exemplo acelerar o final da torra para manter acidez, e ter um certo grau de caramelização. Esse tempo mais curto, talvez necessite uma temperatura final mais alta, sem esquecer que isso afeta a homogeneidade, já que a transferência de calor não é instantânea para o centro. Nada que mudamos, altera apenas um fator.
Temos muitas opções para acertos e infinitas para erros.
Mestre de torra trabalha o equilíbrio da matéria prima que recebe. Não fazemos milagre, os cafés já vêm com certas características da fazenda. Temos que ressaltá-las, equilibrá-las.