Cafeicultora do Sul de Minas entrega muito mais do que um produto de qualidade nas xícaras.
O café faz parte da vida dos brasileiros. O produto está nas xícaras de milhares de pessoas e movimenta a economia do país. Mas diferente de outros grãos, o café tem as suas características diferenciadas e que precisam ser respeitadas durante todo o seu processo de produção. Com o crescimento do interesse pelos cafés especiais, tem também crescido o interesse do consumidor pelos aspectos que fazem parte de toda a cadeia produtiva do grão.
A relação do consumidor com o café deixou de acontecer apenas na hora do consumo. Hoje um coffee lover se interessa por todos os aspectos da produção. E por isso mesmo, a relação do produtor também mudou. O café se tornou uma arte. São muitas técnicas de plantio, colheita, torrefação, embalagem, preparação etc.
Neste contexto está inserida a cafeicultora Carmem Lucia Chaves de Brito, de Três Pontas, no interior de Minas Gerais. Carinhosamente chamada de Ucha, Carmem tem uma profunda ligação com o café. A produção faz parte da família há mais de um século. Há 15 anos ela, junto com seus quatro irmãos, passaram a administrar as lavouras da família. Após a morte do pai, Francisco José, os cinco irmãos se uniram e as fazendas Caxambu e Aracaçu iniciaram a sua terceira geração de cafeicultores.
Negócio de Família
Foi em 2007 que Ucha decidiu apresentar aos irmãos um projeto para manter os negócios em família: apresentei um projeto aos meus irmãos para que a gente iniciasse as novas páginas da nossa história junto da fazenda sem que a gente dividisse essa propriedade. É quando a gente começa a construir o nosso modelo de qualidade sustentável. Nosso grande propósito naquele momento seria começarmos a produção de cafés especiais, agregar mais valor ao nosso produto e realmente buscar a diferenciação naquilo que fazíamos, ou seja, a tentativa, a partir daquele momento, era de entregar para o mundo, para os consumidores de café, cafés deliciosos, cada vez mais incríveis. Era isso que nós buscaríamos. E ao mesmo tempo com profundo comprometimento e responsabilidade com as questões socioambientais.
Administrar um negócio em família tem seus desafios, mas manter uma tradição de tantos anos vale o esforço. E não só sustentar o legado, como também dar esse salto para a modernidade e acompanhar as mudanças do mercado se atualizando. Foi assim que Ucha levou a produção de café especiais que era de 2% para mais de 85% em pouco mais de 12 anos.
Mercado de Cafés Especiais
Desde o início de seu trabalho, Ucha passou a integrar a BSCA – A Brazilian Specialty Coffee Association. E através do importante trabalho da associação ela pode perceber o quanto o mercado mundial já estava atento aos cafés especiais. Ela também pode perceber que o nosso país ainda estava atrasado neste sentido. Vendo o nosso potencial, de dentro da BSCA, ela também atuou para o reconhecimento da nossa produção no exterior. Ela diz: O Brasil é sem sombra de dúvidas um grande país que entrega grandes cafés de alto potencial qualitativo e numa diversidade, numa pluralidade, uma coisa absurda como nenhum outro país pode entregar. E isso obviamente a gente começou de uma forma linda e muito prazerosa. O mundo passou a enxergar o Brasil de uma forma muito diferenciada e começou a desejar e buscar os cafés brasileiros para os seus devidos países. E logo em seguida, principalmente nos últimos oito anos, esse mesmo desejo, esse mesmo interesse, essa mesma procura pelos cafés especiais brasileiros, passou a ser do público, dos consumidores. E começa a acontecer no próprio Brasil, uma transformação linda, muito promissora e muito estimulada pelos jovens brasileiros.
E para se manter atualizado com essa nova realidade, é necessário muito estudo e dedicação. E é o que a Ucha faz em suas propriedades: estar conectada aos desejos do consumidor. E acima de tudo, na qualidade do produto. Porque independente do perfil do cliente, ele sempre vai priorizar pelo cuidado que está sendo dispensado por aquela mercadoria que ele se dispôs a comprar.
Sobre isso, Ucha fala que “quando esse consumidor modifica o seu posicionamento, o setor produtivo começa a se movimentar e buscar cada vez mais, por agregar valor ao seu produto, para entregar a este consumidor mais exigente, mais comprometido, buscando mais valor agregado. Então a gente tem assistido nos últimos anos no nosso país um movimento lindo do setor de produção, que vem cada vez mais se comprometendo com a produção de cafés cada vez mais incríveis e responsáveis socioambientalmente. E com qualidades cada vez mais fantásticas, perfis sensoriais de cafés cada vez mais estonteantes, incríveis e surpreendentes”.
Café e Sustentabilidade
Entre os vários desafios enfrentados pelo produtor, talvez o que tenha mais chamado a atenção ultimamente é a sustentabilidade. Estar atento aos efeitos que a produção agropecuária pode causar ao meio ambiente é de extrema importância. Isso porque esses efeitos afetam diretamente o ambiente em que o produtor trabalha, trazendo consequências para ele mesmo, e para o ambiente em que todos vivem.
E esse aspecto está presente no trabalho realizado nas fazendas Caxambu e Aracaçu. Até porque é impossível criar esse laço entre o produtor e o produto sem falar de onde ele está sendo plantado. E Ucha tem essa gratidão, e cuida do local onde ela produz, porque sabe da importância de criar alternativas para minimizar os impactos ambientais.
“Eu nasci de um pé de café. O café, na verdade, escreve a história de vida de toda a minha família. Minha história de vida é escrita pelo café. Foi o que me deu condições de conquistar e buscar todas as coisas que eu conquistei até hoje. Então não tem como viver isso e não olhar pra terra, não olhar pra esse pedacinho de chão que é colocado nas nossas mãos pra gente cuidar de uma forma realmente diferenciada e responsável. A Terra é o nosso trabalho. Esse chão que a gente pisa é que gera a nossa condição de vida. Então a gente tem de fato um posicionamento, um olhar muito diferenciado pra essa terra, por esse chão, para as nossas fazendas, porque de fato a nossa vida é plantada nesse lugar.”
Atualmente as lavouras de café das propriedades da cafeicultora estão sendo laboratório para estudos da Universidade Federal de Viçosa sobre emissão e retenção de carbono nas produções cafeeiras. A ideia é que seja quantificada a quantidade de carbono que a lavoura pode reter e como isso pode neutralizar as emissões causadas pelo processo produtivo. A Rede Mais fez uma reportagem sobre o assunto e você pode assistir abaixo:
Para Carmem, cuidar do solo é uma forma de agradecimento: A generosidade desse nosso planeta, dessa nossa terra é uma coisa impressionante e não tem como a gente não se sensibilizar com isso. É preciso ter a responsabilidade de produzir de fato, de retirar aquele fruto que essa mãe Terra nos entrega, mas entregando a ela tudo que é possível. É possível construir de forma positiva. E devolver! Eu acho que eu nunca abri mão disso. É um comprometimento de alma. Comprometimento com a sustentabilidade.
Café e as pessoas
Esse tipo de trabalho depende de muito esforço e de muito trabalho coletivo. Além dos irmãos, a produção da Ucha conta com vários colaboradores. E são eles que também ajudam a contar essa história, a construir esse legado de produção de qualidade sustentável.
“Eu não entendo a nossa empresa sem pessoas incríveis, comprometidas, que optam pela permanência no campo. Isso me dá um orgulho muito grande. Não entendo a fazenda acontecer sem essas pessoas que na verdade fazem com que todas as coisas sejam possíveis, com muito carinho, com muito amor, com muita dedicação. Adoro gente. Adoro estar do lado de pessoas. Inclusive me comprometo com o desenvolvimento, crescimento, alegria, satisfação, qualidade de vida das pessoas. É isso que a gente tem tentado fazer aqui dentro da fazenda”.
Para dar continuidade ao processo, cada um leva um pouquinho da responsabilidade. Para ela é importante que o projeto continue dando resultados, para a sobrevivência estrutural do empreendimento e para provar que é possível realizar a produção com responsabilidade ambiental e social: enquanto eu viver eu não vou deixar de trabalhar por esse pilar da sustentabilidade. É preciso ter saúde econômica no nosso negócio, cuidar das pessoas. Fazer com que essas pessoas desejem estar aqui na fazenda para sempre, assim como a gente. Que os jovens que estão chegando, sintam orgulho em continuar no nosso negócio café. Que não se sintam marginalizados e encostados porque estão no campo, pelo contrário, que cada vez mais que aqui eles estiverem, eles estarão em conexão com o mundo que ama tomar os cafés que a gente produz.
Café e Torrefação
Todo esse empenho e dedicação também passa pelo momento da torrefação. Nesta fase é que o café vai ganhar a “roupagem” que será distribuída a cada consumidor. A mágica da torra e as reações químicas que elas provocam nos grãos são as responsáveis pelos aromas e sensações que cada um sente ao tomar uma xícara de café.
Esse é também um aspecto acompanhando muito de perto por ela: se eu pudesse, e tivesse tempo, eu viveria na frente de um torrador de café. Porque sou completamente apaixonada pelas transformações que esse grão sofre no momento da Torra. É uma coisa de magia, é uma coisa impressionante! Ali é o momento onde de fato aquele fruto se transforma, que chega naquele grão, que aí você passa por todos os processos, por todo esse momento de transformação no processo de torra desse produto e depois você poder se deliciar e entender ali a alma desses grãos xícara e realmente se encantar com os sabores que ele apresenta. Isso pra mim é mágico!
E por isso ela tem muito compromisso com essa fase. Atualmente ela possui um torrador Atilla 10kg gold plus. E ela também fala sobre o motivo da escolha: Porque eu confio que os nossos cafés vão conseguir se revelar como eles precisam se revelar na xícara porque por esses equipamentos que quem os produz tem o mesmo nível de comprometimento que a gente tem aqui na nossa fazenda. Isso pra gente é tudo. Acho que eu não preciso dizer mais nada.
Café e Ucha
Este texto começa dizendo que o café faz parte da vida dos brasileiros. E nada melhor do que abrir um último seguimento dizendo que o café faz parte da vida da Ucha. Quem leu até aqui já percebeu que não se trata de uma simples cafeicultora. Em cada resposta ela demonstra a ligação e o comprometimento que tem com a sua produção. Sustentabilidade não é uma ação de fortalecimento de marca, mas de fortalecimento do produto. Conhecer o trabalho que ela realiza é conhecer um pouco sobre a dinâmica de uma produção bem sucedida.Ucha demonstra entender muito bem o valor de cada fase, cada pessoa, cada fator que faz o sucesso em um empreendimento. É preciso coragem, disposição e muita determinação.
E assim ela descreve a relação com o café: é um casamento, é uma relação de afetividade, de amorosidade, de carinho, é paixão, é encontro, é revelação. Nesses últimos quinze anos que eu tenho trabalhado com o café, apesar de minha vida profissional acontecer em outras esferas, quando eu venho aqui e tenho contato direto e mergulho neste nesse universo, eu entendo porque as pessoas são tão encantadas com esse produto.
E continua descrevendo a conectividade com as fases da produção: O ritual é algo que nos conecta com algo que vai muito além da nossa existência. Eu acho que nos conecta com redes que realmente nos colocam em comunhão com o universo, com a vida. Eu acho que toda essa ritualística do café nos proporciona momentos de parada, momentos de reflexão, momentos de aprofundar algo que está nas nossas mãos, momento de revelação. (..) Eu acho que o café, ele tem toda uma ritualística, ele tem toda essa pegada muito, muito, muito forte. E isso sem sombra de dúvidas, faz com que eu cada vez mais apaixone por isso, pela oportunidade que o café tem dado a todos nós.
A ligação que Ucha tem com o café é muito forte: É muito mais do que uma relação. Café para mim não é um produto. Café é vida. É um ser vivo. E eu cuido desse ser vivo pra entregar pra quem vai consumi-lo ali da melhor maneira que eu sou capaz de produzir. Realmente não é uma relação só de de produto é muito mais do que isso. Eu quero entregar prazer, quero entregar satisfação! Eu quero entregar alegria, quero conexão, quero entregar reunião, quero entregar satisfação! Eu quero entregar vida para as pessoas, não apenas um um produto. Então acho que é uma relação de amor, é uma relação, acima de tudo, de gratidão. Gratidão por essa oportunidade que me foi dada, que foi dada a minha família. Gratidão por termos construído e estarmos construindo a nossa vida nesses espaços tão incríveis como uma uma fazenda produtora de café. Gratidão por estar em profunda conexão e contato com a natureza! E a gente estará agindo com ela para ela, sobre ela e ainda tendo resultado. Eu acho que isso é uma benção que tem que ser profundamente agradecida a cada dia. É isso, é paixão, é amor. Café é tudo, café é minha vida e realmente não é um produto, é vida.
Depois de conhecer um pouco mais o trabalho da Carmem, é possível entender mais o fascínio que o café desperta e tantas pessoas. Porque enquanto existirem pessoas como ela, que trabalham com tanta paixão, esse sentimento vai ser transmitido através de cada xícara de café. Quem se interessa por esse universo com certeza deve ter se encantado com as palavras dela. Quem quer começar no ramo, com certeza vai ter se inspirado. Quem ainda não tem tanto interesse, vai passar a ter.
A Ucha contribui para o mercado de produção de cafés especiais com a qualidade de seus produtos, mas também com seu entusiasmo e por sua inovação. Ela manteve o legado da família, e agora está criando o dela. E que venham muitas outras contribuições, os amantes do café agradecem.